*Por Laís Daflon
Normalmente, pensamos nos meios de transporte, como o próprio nome diz, como simples meios, e os caminhos como um hiato entre uma origem e um destino que esperamos que passe o mais rápido possível, até por isso costumamos preferir aviões. Mas o mundo não é um mapa. Ele não tem linhas que delimitam territórios preenchidos cada um com uma cor nem coordenadas geográficas. O destino não é aquele ponto desenhado no planisfério. Caminho e destino são um só. Ou você já viu uma dessas linhas desenhadas no chão?
Vi o nascer do sol mais bonito da minha vida dentro de um avião. Era um vôo de Bali para Melbourne. O avião estava gelado e não consegui dormir direito. Abri a persiana para tentar ver alguma paisagem, mas estava tudo escuro ainda. Dormi com a persiana aberta e fui acordada pelos primeiros raios de sol. O mar passou de preto para prateado e foi ganhando diferentes cores conforme aquela bola laranja surgia perfeitamente redonda no horizonte e o céu ficava uma mescla de azul com laranja. Mais ou menos ao mesmo tempo, começamos a sobrevoar a porção de terra chamada Austrália.
Em outro vôo, nos Estados Unidos, de Dallas a Portland, descobri uma das minhas montanhas preferidas. Chegando a Portland, quando tudo ainda estava muito abaixo do avião, apareceu pertinho de mim, como se estivesse furando as nuvens, o cume de uma montanha que me fez mover o mundo para conhecê-la melhor. Encontrei meus amigos quando desembarquei e perguntei que montanha era aquela. Era o Mount Hood. Perturbei todo mundo para descobrir uma trilha que fosse possível fazer no fim do inverno, com toda a neve que estava na região de montanhas e florestas, e que me permitisse ter uma boa vista do Mount Hood. Uma amiga descobriu uma trilha para um lago congelado onde pude finalmente ver a minha montanha de baixo, por terra e inteira.
Apesar dessas experiências vividas por causa de viagens de avião, esse meio de transporte tende a aumentar a ideia de hiato. No avião, não é fácil perceber como dois pontos no mapa se relacionam dentro da realidade do mundo. Aviões nos levam a destinos. Por terra percorremos e conhecemos o que há pelo caminho. Niterói é muito legal. Cabo Frio também. Mas os montes de sal pela estrada só vão ser vistos se ela for percorrida. E não só de viagens curtas se faz o acúmulo de quilômetros rodados por terra.
Algumas estradas precisam ser tratadas como mais que algo necessário para se chegar a um lugar. Fiz um passeio pela Great Ocean Road, uma estrada que passa por parte do litoral sul da Austrália acompanhando o mar. O tour era basicamente um dia inteiro percorrendo essa estrada e parando em alguns pontos com vistas fantásticas. O caminho é o destino. Só é preciso, mais do que só olhar, saber perceber, estar atento ao que está ao redor.
A vida é uma longa viagem e você decide quanto pagar por ela.
Uma das estradas em excelentes condições no Brasil fica no Amazonas. Ela sai de Manaus e vai até Caracas, na Venezuela. Um passeio por dentro da floresta indo de um país a outro até chegar ao litoral. Se a floresta é a mesma e não se importa com linhas desenhadas no mapa, por que o passeio não deveria ser o mesmo também?
Já fiz algumas viagens longas de ônibus e parte delas veio acompanhada de situações que seriam evitadas viajando de avião. De Goiânia ao Rio, por exemplo, o ônibus quebrou e tivemos que esperar por cinco horas em um bar na beira da estrada que não aceitava cartão. Mas aprendemos a nos divertir em grupo e rolou até vídeo de aula de dança na frente do bar.
De Phnom Penh a Siem Reap, no Camboja, o ônibus também quebrou e tive que esperar muito tempo na estrada, mas dessa vez estava sozinha e era madrugada. Quando mudamos de ônibus, os lugares não eram mais marcados e acabei pegando um lugar melhor do que o que eu tinha comprado, além de boa parte da viagem ter acontecido já pela manhã e eu pude ver a estrada que eu tanto queria. As cidades que ficam pela estrada mostram tanto a cultura do país. Os centros turísticos são muito interessantes, oferecem mais atividades, mas com freqüência já perderam muito de seus costumes e tradições. Na estrada, eles ainda vivem.
Por fim, a bela e longa viagem na chuvosa estrada de Cusco a Lima, no Peru. Chover na estrada é uma coisa, dentro do ônibus é outra. Algumas situações podem tirar um viajante do sério. Mas pensa bem, estava muito calor.
E depois de uma visita maravilhosa a Machu Picchu que fez você se sentir como se estivesse flutuando pela natureza e pela história, seguida de uma das melhores noitadas da viagem que terminou em um nascer do sol com debates profundos com um grupo de australianos sobre a frase da sua tatuagem, dificilmente algo vai mudar o seu humor. Independente da chuva, essa estrada de Cusco para Lima vale a pena a longa viagem. Imagine sair de uma cidade histórica, passar por montanhas e florestas, pequenas cidades, uma região um pouco mais seca, sempre descendo, até chegar a Lima, a cidade grande e litorânea do Peru. É um pacote completo de paisagens.
Viagens por terra valem muito a pena. O importante é saber se planejar
para evitar problemas, mas ao mesmo tempo se dar a liberdade de ser flexível e aceitar os que vierem como parte da aventura. Afinal, como diz a tatuagem, espíritos livres também fazem planos.
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