Que um homem precisa viajar, Amyr Klink já tinha nos contado, mas eu quero dizer que uma mulher também precisa viajar sozinha. Para descobrir o mundo, para se descobrir e para se fazer descoberta.
Quando um homem diz que vai viajar sozinho, certamente o consideramos um aventureiro, desprendido e independente. Às vezes até o chamamos de louco, com um sorriso no rosto de admiração. Mas e quando uma mulher viaja sozinha? Se sua resposta não for “ela não arrumou companhia” ou “ela é muito complicada para viajar com outra pessoa” ou até “ela é rebelde” e se você pensou que ela é louca, mas não fez uma cara de reprovação e medo pelos inúmeros perigos e situações desagradáveis que ela pode ter que enfrentar, parabéns, você faz parte de uma parcela bem pequena da população mundial que não nos acha incapazes de viver no mundo.
*Por Laís Daflon
Ao viajar sozinha ou ao ir à padaria, os perigos e situações desagradáveis estão à nossa volta o tempo todo. Na rua, no trabalho, na praia, no bar e, para muitas mulheres, até em casa. Aí começam os preconceitos dos quais as viagens são capazes de nos libertar. Primeiro, o resto do mundo não é pior e mais perigoso do que o lugar onde você vive, principalmente se você vive em uma cidade maravilhosa chamada Rio de Janeiro. Segundo, só porque você desconhece ou não está acostumado a outras culturas, não significa que elas sejam invasivas, ofensivas nem mesmo esquisitas. O mundo é lindo, a maior parte das pessoas é boa, tolerante, interessante e, se você não for ver, nunca vai saber disso.
Preconceitos superados, sim, existem muitas situações desagradáveis na estrada. Para homens e, como na sua cidade, principalmente para mulheres. Mesmo se você não está viajando sozinha. Fui à Bolívia em 2011 com mais oito amigos, dentre eles três homens. Eu tinha dezenove anos e, em uma conversa com um guia de um dos passeios, ele ficou assustadíssimo por eu não ser casada com toda aquela idade. Até aí eu estava levando em consideração o choque cultural que aquela informação foi para ele, mas em seguida ele descobriu que eu não sabia se queria casar nem ter filhos. Ele ficou muito irritado e disse que eu vou morrer sozinha. Pouco provável que a irritação dele fosse dirigida a um homem que lhe dissesse a mesma coisa. A praga dele tem dado muito certo nesses últimos quatro anos e inclusive me permitiu fazer a minha última viagem.
Aqui também tem um post lindo sobre as experiências que ganhamos nas estradas desse mundo
Depois de beijos nojentos sendo mandados a cada esquina por quase todos os homens no Peru, também em 2011, e cantadas intermináveis, gritadas no meio da rua em Buenos Aires em 2012, fui preparada para a minha primeira viagem 100% sozinha: três meses pelo Sudeste Asiático e Austrália. Algumas situações poderiam ter sido evitadas se eu estivesse acompanhada? Com certeza.
Uma noite, no Camboja, fui assistir a uma apresentação de circo e o motorista do tuk tuk, que estava cheio de gracinha, quis me cobrar quase sete vezes o preço do trajeto – em uma estrada escura, apenas com outros tuk tuk e motos em movimento e o circo do outro lado. Quando ele percebeu que eu não ia pagar aquilo tudo, veio pra cima de mim me mandando voltar para dentro do tuk tuk. Não pensei duas vezes e fui para o meio da estrada, com as motos me contornando, e negociei de longe. Quando o motorista aceitou receber apenas o dobro do preço original, joguei o dinheiro e entrei correndo no circo. Sabe-se lá o que ele faria caso eu voltasse para o tuk tuk.
Com frequência dizia para as pessoas que estava viajando com outras amigas e que elas decidiram não sair comigo naquele dia porque estavam cansadas. Em um dos passeios em Bali tive que mentir para o guia sobre o meu suposto noivo brasileiro, que estava chegando em Bali no dia seguinte e com quem eu ia me casar em breve. Após essa informação ele parou de tentar segurar minha mão e fazer carinho no meu rosto – eu já havia tentado fazê-lo parar antes de inventar essa história – e passou a “apenas” me abraçar de vez em quando e tentar me vender pacotes de lua de mel. Antes do fim do passeio, disse que estava passando mal e precisava voltar para o hostel em vez de ir para o jantar, que estava incluído. Ele de fato me deixou com muita dor de cabeça.
Independente de qualquer situação desnecessária, como essas que contei, e de escutar quase sempre que mulheres não sabem ler mapas, ou que eu não pareço brasileira quando uso calça comprida ou qualquer roupa “comportada”, as minhas histórias estão longe de ser das piores.
Sem querer entrar no assunto de atos fisicamente violentos e criminosos, apenas falando de mulheres que não têm a liberdade de viajar sozinha, como eu tenho, lembro de várias mulheres tailandesas e balinesas que ficaram muito surpresas com o fato eu não ser mal vista no meu país por viajar sozinha.
Também lembro de uma moça de Hong Kong que conheci em um barco na Tailândia e me disse: “Precisei enfrentar minha família e dizer que não vou casar. Lá onde eu moro, se uma mulher viajar sozinha, é vista como puta e eu prefiro continuar viajando a ter que arrumar um marido que não me aceita como sou.”
Ainda existem muito mais homens viajando sozinhos, mas já não somos tão poucas. Os perigos existem, o machismo está em todos os lugares, inclusive o “cavalheirismo”. Existem homens viajantes que, por algum motivo, acham que você teve o dinheiro para bancar sua viagem e coragem para ir sozinha, mas, mesmo assim, eles precisam te pagar um drink, um táxi e te deixar onde você está hospedada. O preconceito ainda é forte, a estrada é longa para nós, mulheres, mas o mundo é grande e lindo demais para desistirmos dele! Uma mulher precisa viajar sozinha!
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4 comments. Leave new
Olá! Muito bom esse artigo!
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Artigo perfeito e sincero! Parabéns!
É exatamente assim: olhares desconfiados quando chegamos sozinhas, “pena” por parte das amigas que nos acham solitárias, machismo dos mais diversos tipos e outros detalhes, porém, nenhum deles conta quando eu chego sozinha em um novo lugar, uma nova cultura, com novas pessoas, paisagens e descobertas. E sinceramente, não estou nem aí para a opinião alheia, no fundo queria ter a nossa coragem! 😉
Falou tudo! Vamos ganhar esse mundo porque ele nos pertence!